Um marido tenta, sem sucesso, ligar para a esposa. No momento da ligação ele se encontra em casa e na companhia das melhores amigas dela. Uma vez reunidos, todos compartilham da mesma aflição. O homem conta que sua esposa o disse na noite anterior, que queria um tempo para ela e que precisaria se hospedaria em um hotel. Ela não deu mais explicações e nem entrou em contato, depois de comunicá-lo. Em seguida, todos saem da casa e começam a percorrer a cidade, tentando achar o paradeiro da esposa desaparecida. Baseados em alguns pontos de interesse dela, suas amigas e o marido vão resolvendo a charada até que, ao fim do dia, descobrem que a mulher se encontra em um hotel no centro da cidade. Prontamente, eles comunicam a recepcionista e sobem pelo elevador até o quarto. Ao chegar no andar, o marido caminha sozinho até mais perto da porta. Ele toca a campainha e chama pela sua esposa. Ela responde do outro lado da porta, que se abre… Em seguida, surge pela brecha uma mulher enrolada numa toalha, cabelos molhados, sem maquiagem com um semblante triste e cansado. Ela olha para o marido e pede desculpas, disse que não estava aguentando mais e que a “fuga” era a única coisa pensada naquele momento, pois se sentia desesperada. A história acima, narra uma cena do premiado seriado americano Insecure, onde Tiffany (Amanda Seales) e Derek (Wade Allain-Marcus) se tornam pais recentemente e ambos têm de lidar com a dádiva e a responsabilidade de ter um bebê. No seriado, Tiffany é uma bela mulher, jovem, extrovertida, comunicativa e independente.
Ela é casada com Derek e ambos compartilham um relacionamento repleto de amor e cumplicidade. A maternidade veio antes do planejado, o que não impede que eles se sintam felizes por darem à luz ao primeiro filho deles. É possível notar, no decorrer da série, que a personagem apresenta dificuldades em lidar com o fato de ter se tornado mãe. O que nos leva a uma discussão interessante sobre maternidade A maternidade para todos nós é um grande desafio. Trata-se de uma nova vida a caminho, é preciso estar atento ao processo de gestação, à tensão do parto e seus possíveis riscos, à amamentação e o fomento das necessidades básicas da criança, seu processo de socialização e educação. Salvo trágicas exceções, cai sobre a mulher a árdua tarefa de cumprir com o papel mais sagrado de nossa sociedade. É no corpo da futura mãe que começam a surgir os primeiros efeitos desse processo perpétuo. Ele se prepara para gestar uma vida, é nele que se dá os enjoos iniciais, o sobrepeso, os desejos, as oscilações hormonais para preservar não só sua vida, mas também a daquele ou daquela que virá em alguns meses. Sendo ela e seu bebê uma coisa só, cabe a mulher se submeter a uma extensa rotina de cuidados, consultas e exames para averiguar se todo o processo corre dentro do planejado. Nas infindáveis contagens das semanas, diversas dinâmicas sociais se apresentam: a montagem do enxoval, a montagem do quarto, a primeira ultrassonografia, a escolha do nome, a revelação do sexo (e de possíveis complicações do parto), o chá de bebê, o ensaio pré-natal e o tão esperado momento do parto. O parto é a celebração desse momento, o fim de um longo ciclo e o início de um mais longo ainda. Os dois corpos se dividem fisicamente, mas a jornada apenas se inicia, para eles. Alienado aos cuidados da mãe, o recém-nascido é iniciado na sua jornada de vida. A mãe é agraciada por essa dádiva e terá de lidar com uma das tarefas mais nobres e exigentes que se têm conhecimento. Ouvi uma vez, que quando se têm um filho, a mulher se torna “Mãe-de-Fulano”; que todos se preocupam primeiro em saber como a criança está; que as mulheres sentem no corpo a tarefa de lidar com o pós-parto, a criação do bebê, as noites sem dormir, as dores da amamentação, e um novo corpo que, por vezes, destoa completamente do que era antes. Recai sobre a mãe também o cuidado quase que integral, as noites em claro, a amamentação, a educação, o levar e buscar na escola, por vezes, todo o ônus de alguma falha no cumprimento desse dever imposto a ela.
É importante ressaltar a enorme pressão a mulher sofre no processo de maternidade. Mesmo em famílias nucleares e estruturadas há o apagamento da mulher em detrimento da mãe que do parto em diante, deverá agir, pensar sentir e se comportar como mãe. A comunidade espera dela determinadas atitudes, falas, modos de vestir e se portar, sobrepondo com deveres sua subjetividade. O imperativo de Ser-Mãe cobra um preço caro à mulher. O trabalho, os estudos, as baladas, as viagens, a roupa, o corpo, a juventude, o prazer, a sexualidade são todos postos em segundo plano e sucumbem diante dos cuidados que a maternidade exige. Esse processo, apesar de forte, é silencioso, emudece as vozes das mulheres que percebem o peso da missão que têm diante delas e da surdez social que não escutam suas necessidades, seus medos e dores. O processo de aceitação, introjeção e adaptação à nova realidade pode gerar, de imediato ou no longo prazo processos de adoecimento físico e psíquico, se não for devidamente acompanhado, compreendido e amparado por parte daqueles que fazem parte da vida da mulher (seu cônjuge, familiares, amigos e comunidade). Esse apagamento da mulher que é agora mãe, é um fenômeno que merece ser fruto de bastante reflexão, discussão e desconstrução de estruturas disfuncionais sem perder de vista a dádiva e o sonho que a mulher tem de se tornar mãe. Dar à luz não pode ser só um processo repleto de deveres e imposições, mas também uma celebração, um rito de passagem para aquela que irá passar pela missão da maternidade. Mãe, em sua sacralidade e grandeza, mulher e ser humano antes de qualquer coisa. Um feliz Dia das Mães à todas as mães por esse dia e o meu mais sincero e humilde obrigado por vocês existirem.
Luis Guilherme Alves
Psicólogo CRP: 53097/5
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